Tantas...

Anta Pequena do Zambujeiro



Anta Grande do Zambujeiro: na perspetiva do utilizador


Manuel Calado

1. Introdução

As questões levantadas a propósito da Anta Grande do Zambujeiro (AGZ), tendo em vista a sua consolidação estrutural e eventual musealização, tornaram claro, a meu ver, que os diagnósticos efetuados pelos estudos de engenharia e conservação da pedra não coincidem, em vários aspetos relevantes, com os diagnósticos que decorrem dos dados arqueológicos disponíveis.

É certo que os megalitistas (e eu incluo-me no rol) pouco escreveram sobre a tafonomia ou mesmo sobre a engenharia dos monumentos. Mas também é certo que os dados existem e, a meu ver, não foram suficientemente tomados em consideração, nos referidos estudos de engenharia e conservação da pedra.

Isto é: para avaliar a situação estrutural da AGZ, é preciso comparar com os dados das centenas de antas da região, com a mesma idade, a mesma estrutura arquitetónica e os mesmos tipos de matérias-primas.

É preciso olhar para a floresta, para lá da árvore.

Pessoalmente, nas últimas décadas, visitei, observei, descrevi e publiquei centenas de antas e menires, no Alentejo Central.

Para confirmar algumas ideias gerais, resultantes dessas observações avulsas, de rotina, revisitei agora, aleatoriamente (apenas por critérios de acessibilidade), algumas das antas de maiores dimensões, nos arredores de Évora (Paço das Vinhas, Vidigueira, Barrocal, Anta Grande da Comenda da Igreja, e o conjunto das herdades de Alcanede, Silval, Paredes, Cegonheira).

Estas observações centraram-se fundamentalmente nas questões estruturais, procurando identificar as técnicas construtivas e os processos tafonómicos responsáveis pelo estado em que os monumentos se encontram atualmente.

Não tenho dúvidas de que seria muito importante, para o entendimento da tafonomia da AGZ (e não só), que fossem feitos estudos mais aprofundados, necessariamente interdisciplinares, mas, também, necessariamente, com base nos dados e nos métodos da arqueologia.

A amostra visitada incluiu monumentos tipologicamente idênticos à AGZ (exceto na dimensão), construídos com blocos granitóides, relativamente fáceis de obter, na região, à superficie, aproveitando diáclases e com um afeiçoamente mínimo (quando existe) (Mens, 2002). Tipicamente, nas antas de granito, os esteios da câmara são lajes com uma face bombada (aquela que esteve exposta aos elementos) e outra plana ou ligeiramente côncava, que corresponde à superfície de diáclase e que originalmente assentava, direta ou indiretamente, no batólito. 
Nestes monumentos, também tipicamente, as faces bombadas, quer nos esteios, quer no chapéu, ficam viradas para o exterior. Existem também (sobretudo nos esteios de cabeceira) casos em que foram usadas lajes definidas entre duas diáclases, após ter sido retirada a laje que as cobria.
Na câmara das antas, a fratura do chapéu parece ter sido o acidente mais frequente e, em vários casos, ter arrastado a fratura de esteios, ou ter sido consequência da fratura destes, tal como parece ter acontecido na AGZ.

Isto significa, desde logo, que, ao serem usados na construção das antas, todos esses blocos sofreram uma brusca alteração das condições ambientais a que estiveram sujeitos, durante milhões de anos. Finalmente, mais tarde ou mais cedo, a maioria das mamoas, na nossa região, sofreu erosão e voltou a expor as superfícies das pedras…

As intervenções na AGZ, nas últimas décadas, têm sido guiadas por uma hipótese que, a meu ver, precisa, urgentemente, de ser revista, e que, em última análise, sobretudo em voz off, acaba por atribuir aos arqueólogos e, em particular a Henrique Leonor Pina (HLP), a responsabilidade pelo grau de ruína em que se encontra estruturalmente a AGZ.

A ideia de que as pedras, por se encontrarem soterradas durante 5000 anos, começaram a degradar-se quando HLP as expôs novamente ao rigor do clima é, obviamente, difícil de aceitar para qualquer megalitista, ou apenas qualquer cidadão interessado, que tenha olhado com atenção para as antas alentejanas e pensado suficientemente naquilo que observou.

De facto, o LNEC diagnosticou “alteração e degradação dos monólitos (esteios), alguns muito alterados e em processo rápido de desintegração”

À conta desta interpretação, e de muita inércia institucional, a AGZ ficou durante décadas com uma inestética e inútil cobertura metálica, indignando legitimamente os visitantes. Entre os quais me incluo.

E, a meu ver, sem razão, culpando um notável arqueólogo que enfrentou, com as dificuldades da época, um problema colossal (sobretudo, o restauro da câmara), num projeto que não conseguiu concluir, por razões que um dia saberemos melhor (Henriques, 2023), e que nos deixou um legado com uma qualidade geral muito acima da média do seu tempo.

E, se perante os conceitos e as técnicas de hoje, HLP cometeu alguns erros, esses não foram certamente, a meu ver, os que lhe atribuem, no que toca à degradação estrutural da anta.

A propósito, foi recentemente inaugurada uma Exposição em homenagem a HLP e felizmente o arquivo que nos legou está em boas mãos, embora a precisar urgentemente de ser disponibilizado publicamente. A bem da AGZ e do recinto dos Almendres.

Por outro lado, a avaliação da estabilidade da AGZ, pela ótica e pelos métodos da engenharia, no estudo da Universidade do Minho (UM), inverteu o ónus da prova: no caso dos esteios das antas, em geral, mais do que calcular se estão em risco de tombarem, por estarem inclinados, interessa mais saber por que razão, passados mais de 5000 anos, a grande maioria deles continua de pé…apesar da inclinação que preocupou os autores do estudo...

É certo que o estudo da UM partiu de uma leitura catastrofista anterior, vertida no estudo do LNEC, em que se identificou uma “gravíssima situação de estabilidade geral ainda que mais grave na zona de articulação do corredor com a câmara, o que motivou a execução das medidas de escoramento.”

Estas medidas de escoramento, perfeitamente evitáveis, obrigaram, durante duas décadas, os visitantes a subir na mamoa (provocando a erosão da mesma e, por isso, afectando a integridade do sítio arqueológico). As tampas quebradas deviam pura e simplesmente, ter sido retiradas (como foi feito, e bem, a uma terceira, neste caso para não estragar os esteios que a suportavam) e, cá fora, serem restauradas para eventual reposição.

A estrutura metálica e o bloqueio de madeira não trouxeram nenhuma vantagem ao monumento e, na perspetiva do utilizador, traduziram uma gritante falta de respeito pelos visitantes.


2. Tafonomia: algumas observações genéricas

Na verdade, a simples análise macroscópica atenta das antas alentejanas, permite-nos estabelecer algumas pautas genéricas, relativamente aos processos de decadência destas estruturas, separando as causas antrópicas, das causas naturais.

Comecemos por estas últimas.

A causa principal de derrocada de todas as antas (e menires) relaciona-se, verossimilmente, com eventos sísmicos de grande magnitude. Recorde-se que foi o próprio HLP quem propôs essa causa, sendo hoje uma observação bastante consensual entre megalitistas europeus e, aparentemente, confirmada com alguns estudos específicos (Benniol e Cassen, 2009).

Em Portugal, a Arqueosismologia está pouco desenvolvida, faltando, notoriamente, estudos focados no megalitismo. Em termos gerais, sabe-se que os sismos excecionalmente intensos ocorrem periodicamente, com intervalos que se estimam da ordem dos milénios (Gomes et al, 2008). A probabilidade de ter havido, há cerca de 5000 anos, um desses sismos catastróficos, faz sentido e merece ser examinada com mais detalhe.

Por outro lado existem alguns dados que indicam que alguns menires tombaram ainda na Pré-história, como sugerem as covinhas gravadas exclusivamente nas faces expostas (Perdigões, Xarez, Vale de Cardos, por exemplo) ou, sobretudo, o Menir da Caeira, que tinha deposições votivas, da Idade do Bronze. junto ao menir tombado (Rocha, 2022). Uma boa parte dos grandes menires bretões, que se supõe terem sido derrubados, por um ou vários sismos, foram entretanto reutilizados nos dolmens (tal como cá, em vários casos conhecidos) (Calado, 2004).

Os esteios da câmara, em condições normais (aqui, a manutenção da parte inferior da mamoa faz toda a diferença) nunca tombaram; porém, observei vários casos em que, tal como na AGZ, um ou outro esteio fraturou, por flexão, mantendo a base in situ.



Fig. 1 - Uma das antas da área do Silval, com chapéu intacto, todos os esteios in situ, exceto um, fraturado, mas com a base in situ

Esteios arrancados ocorrem apenas em antas cuja mamoa foi erodida até à base e as lavouras afetaram os contrafortes exteriores dos esteios.

Mesmo assim, o melhor teste sobre a estabilidade das antas é o facto de muitas delas, sobretudo as médias e grandes, terem sobrevivido intactas a mais de 5000 anos de sismos, mesmo incluindo as agressões diretas ou indiretas, resultantes da ação humana.



Fig. 2 - Anta do Barrocal, restaurada por HLP. Mamoa completamente erodida, vacas que se encostam aos esteios. Intacta.

Nos corredores, a primeira tampa que serve de suporte à pedra de fecho, foi, em vários casos, tal como na AGZ, a primeira "vítima" dos terremotos. Aconteceu, por exemplo, na Anta Grande da Comenda da Igreja.


Fig. 3 - Anta Grande da Comenda da Igreja. A pedra de fecho afundou sobre a primeira tampa do corredor. O chapéu fraturou e uma parte deslocou-se, mas mantém-se suspenso.

De resto, as tampas do corredor, sobretudo as mais próximas da entrada, frequentemente em falta, foram certamente retiradas por mão humana, um fenómeno que se estendeu muitas vezes aos próprios esteios.

É claro que os corredores das antas, para além de terem sido massivamente vítimas da depredação humana, precisamente por terem sido construídos com pedras de dimensões relativamente pequenas, são também, por definição, a parte mais frágil do edifício.

Quanto à alteração das rochas, supostamente por terem ficado expostas, depois de muito tempo soterradas, não existe, nas antas por mim observadas, a mínima evidência.

De resto, a comparação, nos menires dos Almendres, das partes que sempre estiveram expostas com as partes que estiveram soterradas e foram expostas na mesma altura que a AGZ, ou um pouco antes, poderia ser um bom teste… ou a, na AGZ, a comparação entre os topos dos esteios da câmara, expostos eventualmente desde a derrocada do chapéu, e as partes expostas por HLP.

Para além das fraturas de esteios da câmara e colapso dos chapéus, observam-se, em alguns casos, fraturas ou fissuras nos topos dos esteios portantes, provocadas obviamente pelo peso das tampas (provavelmente com a trepidação provocada pelos abalos sísmicos).

Em síntese, concluo que as únicas “patologias” que, como arqueólogo, reconheço, nas estruturas pétreas, são as fraturas ou fissuras, provocadas por sismos de grande magnitude, atuando preferencialmente sobre os elementos suspensos (tampas) e, pelo peso próprio e trepidação destes, atuando sobre os topos dos esteios e pilares, ou ainda por flexão, ficando, nestes casos, sempre a base enterrada in situ (o que demonstra à exaustão, que as estruturas de implantação foram geralmente bem calculadas pelos “engenheiros” neolíticos).

A propósito, convém assumir que existem, no Alentejo Central, granitos mais ou menos friáveis cuja erosão, sobretudo se sujeitos a agressões físicas ou mesmo químicas, pode ser rápida. Porém, a questão é, até que ponto, os “engenheiros” neolíticos não fizeram geralmente escolhas acertadas, ao selecionarem, na natureza, os esteios das antas…

Trata-se, como referi acima, de blocos disponíveis à superfície, que sofreram muitos milhões de anos de alteração e erosão, para os quais 5000 anos são um instante. As covinhas e a arte megalítica, em geral, são, do ponto de vista arqueológico, o melhor ponto de partida para avaliarmos a taxa de erosão nestes granitos, na escala de tempo que nos interessa…e, evidentemente, ela anda muito próxima de zero. De resto, sem querer meter a foice em seara alheia, parece-me fácil assumir que boa parte dos fatores que costumam ser apontados para a alteração dos granitos em monumentos históricos, não se verificam no Alentejo Central, no caso concreto dos megálitos (Almeida 2007: 2012). É o caso da salinidade (ambiental ou presente nas argamassas ou resultante do uso dos edifícios), como é também o caso dos gelos (apontados como um dos principais fatores das alterações verificadas nos menires bretões) ou ainda da própria pluviosidade que, comparativamente, no Alentejo é relativamente baixa; é óbvio que a dimensão "megalítica" dos blocos é um fator favorável, comparando com o uso dos granitos , em monumentos históricos, com blocos de dimensões muito mais modestas. A diferença, em termos de alteração da rocha, na relação entre a superfície exposta aos agentes externos (físicos, químicos, biológicos) e o volume dos blocos, é fundamental.

Infelizmente, um dos poucos estudos específicos sobre o megalitismo ibérico (já com uns anos, mas que teve como case study a AGZ), parece ter desaparecido (STEP/Granitix)…

Em termos práticos, no caso da AGZ, uma vez libertos do peso do chapéu e do peso das tampas (quer sejam coladas e recolocadas sobre estruturas, quer sejam simplesmente retiradas e expostas junto ao chapéu, assumindo a ruína), os esteios não oferecem, a meu ver, qualquer risco de colapsar, nos próximos 5000 anos. Pode dizer-se que todos os elementos pétreos foram já sujeitos a testes, em condições extremas, e os que resistiram estão sólidos e recomendam-se.

Na AGZ tudo me parece indicar que um (ou mais) violento sismo provocou todos os danos estruturais verificados na câmara, assim como a fratura das 2 primeiras tampas e os estragos no topo de esteios do corredor. Sabemos que, após a derrocada, o monumento continuou a receber enterramentos, pelo que o septo central e os pilares devem corresponder a obras de consolidação anteriores a essa segunda fase. Depois disso, 5000 anos de sismos e nada ou quase nada mudou, excepto a percolação da mamoa, colmatando os espaços vazios.

Evidentemente, as pedras estão em permanente processo de alteração; o que precisamos entender melhor é, obviamente, o tempo envolvido nesses processos.

A maior afetação dos esteios do corredor, face aos esteios da câmara, tem a ver obviamente com a diferença de robustez; alguns esteios do corredor da AGZ são lajes relativamente delgadas que tiveram, aliás, de suportar pesadas tampas (como são as que restaram…).

Quanto às causas antrópicas da degradação da AGZ, creio que se resumiram, antes da descoberta, à subtração de tampas de corredor e talvez de alguns fragmentos do chapéu.


3. Propostas

1.Todos os esteios, incluindo os do corredor, estão suficientemente cravados, pelo que, para garantir a estabilidade do monumento, não há necessidade de aterro no interior (o que iria alterar a topografia original da anta e reduzir-lhe a monumentalidade). Dentro da câmara, a cicatriz do menir C2 é um bom indicador para o nível do chão, no momento da sua derrocada, o que não quer dizer que fosse o nível original. Esse, foi descrito pelas escavações mais recentes e deve estar muito próximo do nível atual.

Para além da fratura do C2, atualmente exposta, a observação da documentação legada pela família de HLP à CME, permite concluir que também o C1 fraturou e foi restaurado (inf. de Mário Carvalho)




Fig. 4 - Não há nenhuma razão para subir o nível do solo, no interior da câmara da AGZ. Mesmo que a imagem da esquerda seja o final da escavação de HLP, não foi certamente o solo no final das escavações.

2. O esteios C1 e C2 fraturaram por flexão (o que demonstra que as bases se encontram bem encravadas nos alvéolos), devido a uma série de efeitos cumulativos, fáceis de deduzir da observação do conjunto:

a) a pressão da parte superior da mamoa.

b) a pressão exercida pelo chapéu e, em parte, a pedra de fecho.

Note-se que o esteio C2 encosta ao anterior (C3), na metade inferior, enquanto o esteio C1 se apoia nele, na parte superior; isto significa que o esteio C2 continua, hoje em dia, a estar numa posição de tensão, apesar de se ter libertado do peso da mamoa e, indiretamente, do chapéu. Porém, a pedra de fecho, a manter-se no lugar, continua a apoiar-se, parcialmente, no C1 e, portanto, a aumentar, indiretamente, a pressão que este exerce sobre o C2.

Em síntese,

no que diz respeito à câmara, é fundamental reforçar as colagens feitas por HLP no C1 e no C2.


Fig. 5 - Os 3 esteios do lado Sul e a pedra de fecho. As setas mostram os pontos em que os esteios apoiam nos anteriores.

3. Na câmara, o esteio C4, com uma fratura transversal bem evidente, está implantado praticamente na vertical, com a mamoa a apoiá-lo, pelo exterior, e sem o peso do chapéu, não corre qualquer risco de derrocada.

4. O esteio C5, que apresenta o topo fraturado, não era portante. Pode ter fraturado com o colapso do chapéu ou logo na fase de construção, uma vez que é precisamente essa extremidade que apoia no C4. Deve ser colado, mas não tem nenhuma consequência, em termos da estabilidade do monumento.


5. Os dois esteios fraturados, no lado Norte do corredor, precisam de ser colados.

6. Alguns esteios do corredor (e os pilares) precisam de ser consolidados. Mesmo assim, as tampas, a ser recolocadas, devem ser apoiadas em estruturas autónomas, cujas fundações devem, obrigatoriamente, ser escavadas por arqueólogos.

7. Repor o chapéu não é aconselhável porque

a) teria que ser fake (uma vez que o verdadeiro está amputado) e

b) necessitaria de uma estrutura de apoio, autónoma, que dificilmente não apareceria como intrusão visual. Assumir a ruina é a alternativa mais consensual.

Os fragmentos do chapéu, que HLP, colocou na posição atual, poderiam ser trazidos para a área fronteira à entrada da anta, para poderem ser apreciados pelos visitantes, sem que estes tenham que subir ao topo da mamoa.

8. Repor todas as tampas do corredor, não é possível, porque algumas desapareceram. Trata-se, portanto, de colar as que restam e repor a que foi retirada e está intacta. Quanto ao resto, assumir a ruína…

9. Repor integralmente a mamoa, não me parece aconselhável

a) porque teríamos que inventar demasiado

b) porque implicaria a reposição do chapéu

c) porque iria exercer pressão sobre a parte superior dos esteios, um dos possíveis fatores da fratura do C1 e C2…

10. A mamoa deveria ser “restaurada”, na periferia, colocando o anel de contenção (kerb) à vista, após sondagens geofísicas.

11.Os possíveis menires deviam ser escavados e, se forem, como creio, encontrados os alvéolos, reerguidos. Recorde-se que, por norma, o alvéolo fica, como é lógico, debaixo da base do menir tombado, pelo que, para definir essa estrutura, não basta escavar à volta do monólito; há que deslocá-lo e escavar por baixo…e isso nunca foi feito.

4. Sobre a filosofia de restauro: assumir a ruina.

Assumir a ruína é inevitável, na AGZ. Não dispomos de elementos que permitam reconstituir o aspeto original. Pela mesma razão, não passa pela cabeça de ninguém reconstituir o Templo Romano de Évora.

A escolha, creio, é entre assumir mais ou menos ruina…

Quanto às anastiloses previstas (colar, consolidar e repor tampas de corredor), são uma intervenção aceitável, desde que as estruturas em que apoiarão as tampas sejam mesmo discretas; caso contrário, seria preferível, em meu entender, retirar todos os elementos suspensos e, tal como se fez com o chapéu, colocá-los de lado, para poderem ser apreciados pelos visitantes.

Seria assumir verdadeiramente a ruína e o monumento poderia ser dignamente visitado, pelo interior, como largamente merece, sem riscos para a anta ou para os visitantes.

O aspeto original (ou melhor, os vários aspetos originais possíveis) poderia ser apresentado, como complemento, aos visitantes, através de maquetes ou reconstituições digitais, ou explicado diretamente pelos guias, se for esse o modelo de visitação.

A meu ver, e seguindo HLP, este monumento é um testemunho fascinante da pujança da cultura megalítica alentejana, mas também um testemunho eloquente do megassismo que o destruiu…


5. Sobre a filosofia da visitação

Limitar a visitação livre, na AGZ, faz sentido. Existem várias possibilidades.

Proibir integralmente a visitação, não faz sentido.

Porém, qualquer que seja o modelo escolhido, como deve ser feita a visitação?

Por um lado, atendendo ao que acima ficou escrito, entendo que não há NENHUM risco de colapso dos esteios (depois de colados os do corredor que estão fraturados e reforçados os C1 e C2), pelo que a visita ao interior da câmara é segura.

Se a visita for acompanhada, não há risco de vandalismos, tipo graffiti (apesar de o género de visitantes, nestes sítios, ser pouco dado a vandalismos). Existem milhares de monumentos megalíticos, cá e lá fora, esses sim, expostos a todos os riscos…

Como arqueólogo, mas também como cidadão, entendo que o direito a desfrutar convenientemente do monumento, uma vez que não há riscos de afetação, é prioritário.

Porém, visitar a AGZ por cima, não faz sentido porque:

a) O monumento foi concebido para ser experienciado por dentro. Nunca por cima.

b) Visitar por cima implica andar sobre o monumento, por muito que se façam acessos que poupem a mamoa.

c) Visitar por cima implica, como agora, debruçar-se o visitante, junto ao esteio de cabeceira, para poder olhar para o interior da câmara. A probabilidade de uma criança se despenhar é (são mais de 5 m), a meu ver, muito maior do que acontecer um grande sismo, que faça cair um esteio (ai das nossas casas, se esse sismo acontecer…).

Para evitar esse risco, precisaria de uma estrutura intrusiva…

Para além do acesso à câmara, mais ou menos condicionado, seria interessante criar, após escavação/restauro do kerb, um circuito de visitação pela periferia da mamoa.

Finalmente, acho que seria fundamental escavar e, sendo possível, reerguer os dois possíveis grandes menires/estelas, o que aumentaria notoriamente a monumentalidade do conjunto. Um deles, na face exposta, está crivado de covinhas; desconhecemos, em ambos, as faces ocultas.

Freixo do Meio, 12 de Dezembro de 2023,

revisto em 29 de Maio de 2024


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