Nota sobre "Early science and colossal stone engineering"



                                                        Fig. 1 - Interior da Cueva de Menga

Acaba de ser publicado um artigo muito interessante, intitulado "Early science and colossal stone engineering", assinado, entre outros, por investigadores das Universidades de Sevilla, Alcalá de Henares (Madrid), Salamanca  e  Granada.

Com base numa análise meticulosa dos dados disponíveis sobre a estrutura arquitetónica do Dolmen de Menga, em Antequera, o texto avança algumas interpretações sobre os processos construtivos envolvidos.

O monumento em causa é, de facto, impressionante, tendo em conta a dimensão/peso de alguns blocos (o maior pesa cerca de 150 toneladas) e comparte com a nossa Anta Grande do Zambujeiro o podium dos dolmens ibéricos, alusão que, aliás, é feita no texto.

As notas que se seguem resultam, sobretudo, da comparação entre Menga e Zambujeiro, tendo em vista os processos construtivos envolvidos,  assim como da confrontação das propostas apresentadas, no referido artigo, com as experiências sobre o tema que tenho conduzido, nos últimos anos.

Vale Maria do Meio, 1995

Tojal, 2000 

Barrocal, 2006

Freixo do Meio, 2022

Boom, 2023

Fig. 2 - Algumas das experièncias com menires ou blocos meniróides.

1. A matéria-prima e a pedreira

Tudo indica que os blocos usados na construção de Menga provêm de uma pedreira localizada nas proximidades, em cotas mais altas, pelo que o trajeto dos blocos esteve largamente facilitado. Por outro lado, as bancadas calcárias, além de proporcionarem lajes regulares, são rochas relativamente brandas, portanto fáceis de afeiçoar e, de facto, foram meticulosamente afeiçoadas.

No caso do Zambujeiro, os blocos são de granito, genericamente mais irregulares, tipicamente com a superfície de diaclase, plano-côncava, virada para o interior, e a superfície de erosão, mais ou menos convexa, virada para o exterior. 

Por outro lado, desconhece-se a pedreira (ou, mais provavelmente, pedreiras) de onde os sete esteios (com cerca de 8m de comprimento), mais o chapéu, são oriundos. Mas a observação dos afloramentos graníticos, na área envolvente, leva-me a crer que não provêm todos do mesmo lugar, antes pelo contrário, implicando, creio, trajetos ascendentes e travessia de cursos de água.


2. Como foram mobilizadas as pedras

As propostas apresentadas, no trabalho sobre Menga, sobre os métodos utilizados para o transporte dos blocos, inspiram-se basicamente naquelas avançadas em dois artigos (Richards e Whitby, 1997 e Harris, 2018), com base em dados iconográficos e etnográficos, assim como nos resultados de um projeto de arqueologia experimental (pago pela BBC, tendo em vista a produção de um vídeo para a série Secrets of Lost Empires, em 1994). 

Com efeito, nessa experiência, propõe-se o uso de trenós de madeira, sobre carris também de madeira, em que os blocos deslizavam, com o auxílio de gordura, em vez da explicação mais tradicional que, como se sabe, propõe o uso de rolos, com ou sem carris. 

Penso que ambos os métodos, com mais ou menos variáveis, podem ter sido eficazes (e os autores não o negam)...embora, de acordo com a experiência referida, a quantidade de gordura necessária para o efeito fosse astronómica. De resto, recorde-se que a BBC conseguiu "contratar" para o efeito, apenas um número relativamente reduzido de voluntários...

Já quanto ao método de implantação, o engenheiro que dirigiu os trabalhos propõs o uso de um contrapeso para inserir, por basculamento, o bloco no alvéolo. 

Convém observar também que o bloco de cimento usado na referida experiência, tinha uma forma de paralelipídedo regular (na verdade, bastante semelhante aos blocos maiores de Stonehenge e, diga-se em abono da verdade, às lajes da Cueva de Menga). No entanto, seria problemático aplicar o mesmo método às lajes irregulares do Zambujeiro ou aos grandes menires cilindróides, como o do Outeiro ou o da Meada. 

Sem excluir liminarmente esta possibilidade, creio que é possível chegar ao mesmo resultado com métodos mais simples.

Na verdade,  basta o uso adequado de alavancas e cordas (por um processo muito menos complexo), se o alvéolo for escavado em rampa, de um lado, e vertical, do outro, como aliás, aparece ilustrado por um esquema, no próprio vídeo da BBC.

Fig. 3 - Esquema dos alvéolos de Stonehenge (imagem extraída do vídeo Secrets of Lost Empires)


De acordo com as várias experiências que levei a cabo, com blocos de dimensão média, o método mais simples é o seguinte:

O bloco é rolado (ou deslizado) até ao alvéolo, pelo lado da rampa e levantado pela extremidade distal, com alavancas, até apoiar no fundo do alvéolo, contra a parede vertical deste. Em todo o processo, cada elevação do bloco é acompanhada pela deposição de pedras de calce que vão preenchendo a parte rampada e contribuindo para a estabilidade do dito.

 Para evitar oscilações laterais, é importante que o alvéolo seja aberto à medida da largura do bloco, com pouca folga e, para reforçar este efeito, bastam uma corda de cada lado, com os operadores preparados para corrigir eventuais desvios. É importante que a elevação da extremidade do bloco seja feita gradualmente, subindo cerca de 5º de cada vez e que, em cada subida, seja acompanhado pela inserção de pedras de calce, por baixo e, se necessário, dos lados.

Claro que, com blocos de grandes dimensões, à medida que o processo inicial, baseado exclusivamente no uso das alavancas, avança, é preciso criar uma plataforma, presumivelmente em terra e pedras, para que o apoio das alavancas possa ir subindo, até elevar o bloco aos 45º. Nessa fase, inicia-se o uso das cordas, com ou sem A, sendo fundamentais as cordas laterais e uma subida faseada do bloco, acompanhada pela reposição ou acrescento, das pedras de calce..

No caso da antas, incluindo Menga, parece mais razoável, para garantir a inserção do bloco no lugar e na posição pretendida, que, em vez de uma sanja contínua onde os esteios vão sendo inseridos sucessivamente, fosse aberto um alvéolo da cada vez, de modo que o bloco fosse encaixado entre o bloco precedente e a parede do alvéolo.



3. As inclinações dos blocos

O trabalho agora publicado sobre Menga incluiu a medida das inclinações de todos os esteios, sendo claro que todos se apresentam inclinados para o interior e, simultaneamente, para Oeste. 

Na verdade, verificamos o mesmo procedimento técnico no Zambujeiro e praticamente em todas as antas alentejanas e não só. 

A inclinação para Oeste implica, realmente, que os esteios, de um e de outro lado, a partir da entrada do monumento, se vão apoiando sucessivamente nos anteriores, até ao esteio de cabeceira, geralmente de maiores dimensões e apoiado, por sua vez, num contraforte robusto. O objetivo desta solução técnica, aplicada a monumentos tão diferentes (nomeadamente em termos de planta e matéria-prima) é, obviamente, a estabilidade geral da construção e justifica, a meu ver, só por si, a aplicação do termo "engineering" a estas notáveis obras. Já "early science" me parece um pouco mais discutível...

Porém, os autores não interpretaram, a meu ver, corretamente, a inclinação dos esteios para o interior. Sugeriram que esta inclinação teria, como objetivo, reduzir a dimensão das tampas, o que, em muitos casos, até parece fazer sentido.

Porém, o problema é que, em muitos outros casos, as dimensões das tampas ultrapassam largamente o perímetro do topo dos esteios e, mesmo assim, os esteios estão sempre inclinados para o interior.  

Gorafe

El Mellizo

Corconne
Chun Quoit

Gaulstown
Fi. 4 - Exemplos de dolmens em que as dimensões do chapéu excedem largamente o perímetro do topo dos esteios e estes, mesmo assim, apresentam inclinação para o interior.

Na verdade, em muitos monumentos das Ilhas britânicas, "a principal característica é o uso de enormes tampas que foram levantadas e expostas em suportes verticais menores. Esses monumentos não foram construídos para criar uma área de câmara, mas eram exibições de pedras importantes e feitos surpreendentes de engenharia." (Cummings and Richards, 2014)

Também na Menga é possível observar que, pelo menos algumas tampas, excedem, para um dos lados, os topos dos esteios, o que tornaria inútil a inclinação destes. De resto, os autores interpretam essa assimetria como intencional, tendo em vista a distribuição equilibrada do peso das tampas sobre os esteios, o que faz todo o sentido.

Fig. 5 - Entrada da Menga, sendo visível o "excesso" lateral da tampa, em relação à largura do corredor.

Sendo claro, a meu ver,  que o objetivo da inclinação dos esteios para o interior não tem necessariamente a ver com a redução do espaço a cobrir pelas tampas, como se explica que tenha sido adotada sistematicamente, na construção da maioria das estruturas dolménicas?

Para entendermos cabalmente a funcionalidade prática desta técnica, convém  ter em mente que a monumentalidade megalítica começa por se materializar, numa primeira fase, nos grandes menires, em cuja construção se foram, naturalmente, testando e apurando as técnicas de transporte e ereção de blocos colossais. 
Esta anterioridade ficou, como sabemos, estratigraficamente registada na reutilização de grandes menires na construção de dolmens, de que a Bretanha oferece um elevado número de exemplos notáveis. Aliás, segundo parece, também em Menga, no próprio espaço onde viria a ser erguido, algures no IV milénio a. C., o monumento dolménico, foram encontrados vestígios da existência prévia de menires (Mora Molina, 2019).

Ora, é indiscutível que os menires foram concebidos como verdadeiros ortóstatos, isto é, blocos alongados colocados na vertical

Como o método de implantação dos menires implicava, como se tem observado em inúmeras escavações, a abertura de um alvéolo assimétrico, vertical num lado e em rampa, do outro, o resultado foi, quase sem exceções, que, presumivelmente por ação de terremotos violentos, os menires se inclinaram e, no limite, tombaram, sistematicamente para o lado rampado.

Da observação deste problema e da procura de solução para ele, surgiu, muito provavelmente, a ideia de inclinar, mesmo que ligeiramente, o bloco para o lado vertical  (ou subvertical) do alvéolo o que, à partida, evitaria a queda do mesmo, para o lado mais frágil (o lado da rampa). 

Por outro lado, sempre que possível, os alvéolos eram abertos na rocha de base (como se verificou na Menga e no Zambujeiro, por exemplo). 

Esta solução foi reforçada com a construção da mamoa que, de certo modo, se acrescentava ao enchimento da parte rampada, necessariamente do lado exterior do monumento, constituindo um contrapeso que tornava impossível o basculamento do bloco para o interior. 
Isto é, os esteios ficavam entalados entre a parede sólida, escavada na rocha-mãe, pelo lado de dentro, e o peso da mamoa, pelo lado de fora. 

Sujeitos à pressão das mamoas e ao peso das tampas, para além do peso próprio, devido à inclinação e, eventualmente, à pressão exercida pelo bloco adjacente, em contexto de abalos sísmicos, o que aconteceu, com alguma frequência, foi a fratura, por flexão, de alguns esteios, para o interior.
Este fenómeno é observável, nomeadamente, no Zambujeiro, com os esteios 2 e 3, no lado Sul.
Note-se que, porém, comparando mais uma vez Menga e Zambujeiro, a inclinação dos esteios próximos da entrada da câmara era muito maior do que a inclinação máxima dos esteios de Menga que, por outro lado, ficaram muito aquém, em termos de altura, quando comparados com os da anta alentejana. Estes dois detalhes explicam que, apesar de feitos de rochas mais brandas, os esteios da Menga se conservaram intactos.

Tendo em conta este modelo, deduz-se, obviamente, que os esteios teriam que ser implantados, do exterior para o interior (ao contrário do que é defendido no texto aqui analisado) e a sequência lógica teria que ser da cabeceira para a entrada, atendendo à inclinação deles todos, para Oeste (tanto na Menga como no Zambujeiro).

4. Comparando
É claro (e parece-me importante vincar este aspeto) que existe uma grande variabilidade, nos monumentos funerários megalíticos, quer arquitetónicamente, quer quanto ao substrato geológico onde se implantam, quer quanto à matérias-primas utilizadas, ou ainda, quanto às dimensões e estas diferenças terão exigido soluções mais ou menos diferenciadas. 
E, já agora, convém recordar que estes monumentos foram contemporâneos de outras estruturas funerárias não megalíticas (a maior parte dos tholoi, as grutas artificiais, as fossas...).
Dentro daquelas que podemos, com alguma propriedade, classificar como megalíticas, muitas são realmente construções de dimensões modestas, sobretudo aquelas mais antigas, muitas vezes denominadas como proto-megalíticas; nestes casos, as técnicas empregues na manipulação dos blocos, podem ser, por definição, mais flexíveis. 
Por exemplo, testei no restauro do recinto de Vale del Rei, em 2000, o "transporte" dos menires, todos de secção transversal bastante arredondada, sem qualquer estrutura de madeira (rolos ou trenó), usando apenas cordas passando por baixo dos blocos, para os rolar sobre si próprios...
Naturalmente, os dados, os considerandos e as propostas que interessa discutir e avaliar, quando se trata de "colossal stone engineering" são os casos mais monumentais.
Entre Menga e Zambujeiro, ambos monumentos excecionalmente complexos, as diferenças mais óbvias aplicam-se à própria planta, em galeria, no primeiro caso e com câmara e corredor, no segundo. 
Porém, no que respeita às técnicas construtivas, as diferenças de matéria-prima, como já sugeri, são importantes. Os granitos são rochas mais duras, portanto mais difíceis de trabalhar, o que explica a irregularidade dos esteios do Zambujeiro, quando comparados com os de Menga. Os esteios de granito são oriundos dos afloramentos superficiais, de formas naturalmente menos regulares quando comparadas com os calcários. 
Se imaginarmos uma competição entre estes dois monumentos, diríamos que em Menga se construiu o monumento mais massivo da Península (que incorpora um bloco com 150 toneladas) e, ao mesmo tempo, a construção mais regular, de entre as maiores; já no Zambujeiro, construiu-se o dolmen mais alto do mundo...




Os grandes menires foram implantados na vertical
e tombaram todos (ou quase)


Ereção




Fig. 6 - Esquema do processo de ereçáo de menires. 


Colapso
Fig. 7 - Esquema do processo de derrocada dos menires.  Os monólitos tombaram sempre, nos casos em que o processo pode ser reconstituido, para o lado da rampa.




                                           Fig. 8 - Vale Maria do Meio, antes e depois do restauro.



Fig. 9 - S. Sebastiáo, no final da escavaçáo.

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Fig. 10 - S. Sebastião. Plantas da escavaçáo do menir 1. O menir tombou sobre o empedrado.

Fig. 11- Plantas da escavação do menir do Tojal. 


Antas
apesar da inclinação dos esteios (ou graças a isso) sobreviveram de pé, às centenas.
















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Fig. 12 - Conjunto de antas escolhidas aleatoriamente. Esteios inclinados, muitos ainda suportando a tampa, mamoas erodidas.


Porque razão os esteios inclinados não tombaram e os menires verticais, não resistiram?

 
Fig. 13 - Esquema de implantaçáo do esteio de uma anta






the key characteristic is the use of the key characteristic is the use of enormous capstones which were lifted up and displayed on smaller upright supporters. These monuments were not built in order to create a chamber area, but were displays of important stones and astonishing feats of engineering. enormous capstones which were lifted up and displayed on smaller upright supporters. These monuments were not built in order to create a chamber area, but were displays of important stones and astonishing feats of engineering.
enormous capstones which were lifted up and displayed on smaller upright supporters. These monuments were not built in order to create a chamber area, but were displays of important stones and astonishing feats of engineering.