Pensar a Paisagem

ALMENDRES, QUE PAISAGEM? IDEIAS QUE AGEM


Cassandra Querido


Quero ir para o altinho que eu daqui não vejo bem...

O cromeleque dos Almendres situa-se no cimo de uma encosta virada a nascente,

orientação para a qual se abre, evidenciando a sua forma de provável

ferradura, comum com muitos outros cromeleques similares portugueses e 

alguns europeus.

No entanto, tem a diferença de parecer uma dupla ferradura, a menor

situada a leste, centrada sensivelmente no mesmo eixo de simetria da maior,

sugerindo vagamente o desenho de um oito.

Ainda seguindo o mesmo eixo, pela sua posição sobranceira junto ao cume de

um dos pontos elevados da serra de Monfurado, o Alto das Pedras Talhas, 

domina a paisagem para nascente com uma vista panorâmica notável sobre 

Évora.

Trata-se de um dos monumentos mais antigos da Europa.

Atribuível ao Neolítico Antigo/Médio, surge no período em que foram erguidas,

na Europa, as primeiras construções monumentais em pedra de que há registo

(Alvim, 2009; Calado, 2020).

O Megalitismo marcou a altura em que a acção do homem sobre o ambiente

começou efectivamente a suplantar os limites do seu habitat original e a impor-

se na paisagem, tentando dominá-la, dando início à grande viragem de

paradigma, com a agricultura e a sedentarização, como consequências.

Este modelo alastrou, praticamente, ao mundo todo, embora com a

particularidade de corresponder a origens e tempos distintos.

Para alguns autores, foi mesmo o começo deste período, recente face à

relativamente longa existência anterior do Homo sapiens, que marcou o início

do Antropoceno (Revelles et al, 2015).

Posto isto, pode considerar-se que, para o cromeleque dos Almendres,

qualquer abordagem ao espaço, quer do interior do recinto, quer da área em

redor, abarcando as zonas com estatuto de protecção, ganha em ser coerente

com a sua origem.

Para atingir este objectivo, no que se refere a definir propostas para o local, é

extremamente importante reflectir profundamente acerca da melhor forma de

intervir no interior do próprio recinto do cromeleque.

Mas, como muitas das opções adoptáveis afectariam o solo, a sua

concretização deveria depender para não constituir um risco, de uma

informação arqueológica detalhada de todo o recinto, ainda por fazer, pois a

maior parte dele ainda não foi escavado (Gomes, 2002).

Assim sendo, a escolha para uma correcta intervenção, sem impacte nas 

camadas arqueológicas restringe-se ainda mais.


Entre 95 monólitos

Em paralelo, convirá frisar, pela sua importância, a opção de fundo tomada

para o interior do recinto terá também repercussões no entorno e na nossa

relação com o monumento.

Nomeadamente, impedir o acesso do público ao interior do recinto, implicaria

muito provavelmente a presença de uma vedação contínua e permanente ou outro 

tipo de obstáculo em permeio. Constituiriam, independentemente da estrutura

adoptada, barreirais visuais e artifícios estranhos ao monumento e à paisagem

envolvente.

Também estaria desajustado com o ambiente que se supõe que haveria na

altura, com base nos conhecimentos arqueológicos de que actualmente

dispomos.

Mesmo tentando disfarçar esta estrutura, integrando-a na paisagem, não

deixaria de ter implicações na visibilidade e na leitura do monumento.

A adopção de um prado, que se queira manter denso, exige ausência de

pisoteio, pelo que acabaria por ditar também a adopção de medidas para

impedir o uso público do recinto.

Assim, como base para a escolha de opções, tomaremos como certos os

argumentos apresentados por Manuel Calado que justificam a permanência da

visitação ao interior do recinto, pelas seguintes razões:


− A erosão provocada pelo pisoteio mostra-se mais acentuada no caminho

de acesso, a Oeste do monumento e também, mas em menor grau, no

interior do recinto, particularmente a montante, com ravinamento entre

os menires onde se circula. Nunca junto a estes, onde está a base de

sustentação com as coroas dos calces de pedra e onde se concentram

as herbáceas justamente pela dificuldade em serem atingidas pelo

pisoteio.


− No cromeleque da Portela de Mogos, onde a escavação que foi feita em

redor dos menires nunca voltou a ser fechada (dando evidências de uma

afectação muito maior do que seria por acção de um pisoteio como o

dos Almendres), as pedras apresentam-se seguras e o problema nunca

foi levantado.


− Apesar dos menires estarem cravados em alvéolos abertos em substrato

rochoso, a pouca profundidade relativamente à sua altura, quando se

desestabilizam, as evidências arqueológicas apontam para uma

inclinação lenta e apenas em situação de terramoto é que pode bascular 

e tornar-se brusca.


− Mesmo que algum dos monólitos pudesse eventualmente descair, na

verdade, o monumento viu as pedras reerguidas recentemente, isto é

já no século XX, primeiro pelo antigo proprietário e mais

tarde após a descoberta de Leonor Pina, por este e por Varela Gomes,

pelo que reerguer, mais uma vez, as pedras não seria uma acção estranha

ao contexto, nem causadora da degradação do monumento.


− Embora se trate de um comportamento que deve ser desincentivado,

subir aos menires não os afecta e são ocorrências bastante raras,

mais, existindo avisos no local para a sua proibição.


− Encostar ou tocar nas pedras, não as afecta, se compararmos estas

acções com as exercidas sobre os elementos de pedra existentes na Sé

de Évora, onde o afluxo de visitantes é muito maior e muitas das marcas

de canteiro, nos degraus de  granito, pisadas diariamente, há séculos, 

não evidenciam sinais de desgaste.


Acresce que o monumento não tem antecedentes que atestem que tenha sido

mais sujeito a vandalismo do que os monumentos de livre acesso na cidade de

Évora, sendo que o número de visitantes que para lá se dirige é

comparativamente a esta bastante inferior.

Também não se perspectiva uma quantidade de turistas nos Almendres

comparável à de Stonehenge ou à de Carnac, monumentos que, embora tenham

uma origem menos antiga, foram descobertos e divulgados há muito mais

tempo, associados a um vasto imaginário identitário próprio e que ostentam

dimensões bem mais imponentes, justificando assim a maior afluência de

visitantes.

O cenário aqui subentendido motiva e dá mais sentido à adopção de medidas 

estruturais de protecção àqueles monumentos, o que, relativamente aos 

Almendres, não se justifica, nem perante o que se espera em 2027 com Évora 

Capital Europeia da Cultura.

Carnac actualmente restringiu o número de ingressos disponíveis a 30000 na

época alta estival, durante seis meses, altura em que mais de 70000 turistas

afluem ao local, logo, frustrando mais de metade. Na mesma época, a visita

diária é limitada a um pico máximo de 400 visitantes.

Com o Stonehenge os valores são bastante mais elevados e dificilmente

comparáveis com os dos Almendres.

A previsão do aumento de visitantes em 2027, com Évora como Capital

Europeia da Cultura não justificaria por si só uma alteração profunda à

estrutura do espaço.

As estatísticas situam em cerca de 8% a 15% o aumento comum de turismo

resultante de uma Capital Europeia da Cultura.

Estes valores médios variam consoante os meios urbanos, já que locais

tradicionalmente muito visitados, como acontece com os destinos turísticos de

eleição, não vêem, com este evento, um crescimento significativo de visitantes,

ao contrário dos menos conhecidos onde o aumento pode atingir 20% ou, mais

raramente, 30%.

Como Évora é já bem conhecida como destino turístico, este máximo de

aumento dificilmente será alcançado.

E, embora se possa ter em consideração alguns efeitos duradouros após uma

cidade se tornar Capital Europeia da Cultura, é estimado, para um aumento de

15% no próprio ano, até 11% no ano seguinte e sem grandes variações depois,

na ordem dos 2 a 3 % nos anos daí em diante (UNESCO, 2017), pelo que

acaba por se revelar um fenómeno pontual no tempo.

Apontando, ainda assim, para o improvável aumento para esse máximo de

30% no ano 2027 e admitindo que traga alguns eventos a Évora ou ao próprio

local capaz de gerarem um grande afluxo, dificilmente o aumento chegará aos

50% em Évora, consequentemente aos Almendres, admitindo a mesma

proporção, isto é o dobro da actualidade.

Assim, apontando para uns prudentes 30% máximo de incremento pontual,

correspondendo a mais um visitante em cada dois, não se vê necessidade de

tomar medidas drásticas, que possam ser de alguma forma nocivas para o

enquadramento, com o propósito da preservação do monumento, mesmo que

ocasionalmente possa ultrapassar estes valores.

Caso se atingisse, ainda assim, valores muito elevados, seria preferível haver,

durante o período que durasse, um controlo do acesso e a colocação de

estruturas amovíveis e reversíveis, do que actuar de forma mais radical na 

paisagem local.


Libres!

A associação Menhirs Libres de Carnac, conseguiu contrariar parcialmente o

projecto estatal que, entre outras medidas, pretendia colocar uma vedação em

redor dos sítios megalíticos para apenas permitir visitas pagas o ano inteiro.

A contraproposta previa, entre outras medidas (não aplicáveis ao caso dos

Almendres), retirar as cercas, não alterar o existente enquadramento físico e

permitir o acesso livre ao local.

Houve algumas cedências, pois o acesso acabou por permanecer livre na

época baixa, já que a época alta era a que representava a maior pressão dos

visitantes. Reduziram as vedações que, em grande parte, foram substituídas

por muretes de pedra seca.

Em casos como o de Carnac onde o número de visitantes é, e promete

continuar a ser, superior, justifica-se assim a adopção de artificialismos para a sua

contenção. Nos Almendres não.


                           Passadiço e vedação em Carnac. Origem: menhirs-carnac.fr


A opção de fechar o acesso ao público levanta ainda algumas questões de

peso a observar.

A ponderação, para cada caso, deve ser o mais objectiva possível.


Nem só de pão vive o homem

É importante que se estabeleçam alguns limites e regras, para a fruição não se

transformar em delapidação, pois nem todos os valores patrimoniais podem ser

visitados e expostos a possíveis pilhagens e vandalismos, havendo alguns que

pela sua fragilidade, para a sua preservação, devem ser apenas visíveis à

distância ou, em casos extremos, manterem-se ocultos (como é, por exemplo,

o caso das grutas com arte rupestre). Manifestamente, não é o caso dos

Almendres.

Nos casos em que não se aplica a necessidade de uma excessiva protecção

face à p ressão humana expectável, um monumento que é Património

Classificado deve ser visitado pelo público e este deve trazer as melhores 

referências da visita.

A colocação de vedações entre o visitante e os monumentos, mesmo havendo

painéis explicativos da sua necessidade, é sempre uma forma de degradar

esta experiência.

Realça-se a propósito o facto de ser reconhecidamente mais fácil manter e ter

em boa conta algo que se conhece e que é apreciado. Nesta óptica,

estabelecidos os critérios de destrinça das situações de maior fragilidade e

salvaguardados os limites respeitantes à boa preservação (contando com os

meios estruturais para a fazer), os monumentos devem ser fruídos por todos,

como património público que são, justamente pelo seu valor patrimonial.

Os monumentos que têm sido mais destruídos são precisamente os menos

conhecidos, que ninguém visita.

São reportados casos em que se decide, ilegalmente, destruí-los por

meios mecânicos, muitos deles no enquadramento da agricultura intensiva que

se tem vindo a praticar cada vez mais.

Esta perspectiva é ainda mais importante numa altura em que, particularmente

no Alentejo, o desfrute do campo está cada vez mais barrado à população que

assiste à proliferação de vedações, um pouco por todo o lado, principalmente

devido à criação de gado bovino.

Vão escasseando os espaços de qualidade, no meio rural e florestal, onde,

todos, nos podemos deslocar livremente e entrar dentro da paisagem que

observamos a partir das estradas, da ferrovia e dos cada vez mais raros 

caminhos rurais que permanecem abertos.

É, pois, de grande importância que não se opte, de forma exagerada e mal

fundamentada, em retirar e desqualificar, mais um local fantástico que, para

maior notoriedade, é também património classificado.

Mesmo que para financiar a manutenção do espaço se opte por cobrar

ingressos aos visitantes, os preços deveriam ficar acessíveis e tal não deve 

constituir um motivo para colocar uma vedação perto do monumento.


Do Alto das Pedras Talhas

Fundamentada a opção em manter aberta a visitação ao interior do recinto,

perspectivando-se o monumento liberto de estruturas de restrição ao acesso, a

intervenção que se afigura mais lógica no interior do recinto, contrariando a

erosão que ocorre entre os monólitos, é a reposição periódica de solos de

elevada qualidade (respeitando o nível superficial original do terreno) para os

fins que se afiguram desejáveis, sendo o principal deles constituir um terreiro

resistente à erosão.

Esta operação deveria ser feita depois de retiradas, na medida do possível (isto

é, sem afectar as camadas que ainda possam conter materiais arqueológicos),

as últimas camadas de terra colocadas à superfície, de baixa qualidade devido

à elevada concentração de entulhos e cuja espessura foi excessiva, tendo

subido em cerca de 25 cm a altura do terreno, sem necessidade, uma vez que

esta medida, tecnicamente, não tem qualquer efeito na melhoria da

estabilidade dos monólitos, como referido anteriormente.

A base dos menires está cravada no substrato rochoso (gnaisse) e, tendo sido

reerguidos antes do afluxo do grande público ao monumento, os micro-relevos

onde se encontram os calces mais superficiais, estariam alinhados com a

superfície do terreno antes da sequente erosão ou localizados ligeiramente

acima, em grande parte dos casos, sobretudo a montante, servindo, em termos

práticos, de referência para reconstituir as cotas da topografia de então para

orientar a deposição de solos.

Alguns dos menires situados mais abaixo, a nascente, estão ligeiramente

soterrados devido à deposição da terra erodida de montante.

Há inúmeras fotos anteriores à afluência de visitantes que comprovam esta

descrição.

Convirá explicar a propósito que, antes de ser visitado pelo grande público, a

erosão era mais evidente no caminho principal e em redor do monumento, já

que as lavouras faziam-se evitando sempre as grandes pedras do

cromeleque e, sobretudo, depois de 1970,  quando foi feita a primeira

intervenção no recinto, dirigida por Leonor Pina: que incluiu a retirada das 

árvores no interior do recinto.

As lavouras podem ser consideradas recentes pois só depois da despedrega

que foi feita no entorno, no início do século XX, é que foi possível lavrar e foi

com as lavouras que a erosão se tornou significativa em redor do recinto.

Formou-se assim como uma “bolacha” sobrelevada contendo o Monumento,

em redor da qual também interessa actuar de modo a recuperar o nível original,

parando os factores que provocam a erosão.

A terra a repor periodicamente no recinto deveria ser compactada de modo a

cumprir a sua função de terreiro e evitar o crescimento de vegetação alta. Tal

não invalidaria uma possível colonização (ou instalação) de vegetação

herbácea, a qual, em substratos compactados, secos e pobres em matéria

orgânica tem tendência a manter-se esparsa e baixa. Seria mais ajustado por não 

necessitar de quase nenhuma manutenção e não interferir na visibilidade destas

grandes pedras, particularmente, sobre as gravuras que algumas delas

ostentam bastante perto do chão.

As fotografias anteriores à recente colocação de terras e sequentes sementeiras 

evidenciam um espaço com poucas herbáceas, mais concentradas imediatamente 

em redor de cada menir, onde o pisoteio é, naturalmente, mínimo, tal como referido 

anteriormente.

A função a privilegiar seria assim mais a de um terreiro do que a de um prado

formal, embora se reconheça que esta última opção pudesse ser uma forma

eficaz de luta contra a erosão pelo efeito de retenção que as raízes exercem

sobre as partículas das camadas superficiais do solo. Mas a maior necessidade de

manutenção e os métodos para o fazer podem revelar-se desajustados ao

monumento.

O pisoteio aquando da visitação poderá assim continuar a ser factor limitativo

ao desenvolvimento da vegetação, como tem sido até agora.

Certos monumentos similares, também muito visitados ou bem mais visitados,

têm o problema do prado resolvido com o recurso a rebanhos de ovelhas de

raças autóctones. Caso de Stonehenge e de Carnac onde a área afecta ao

monumento tem dimensão suficiente para o efeito, o que não acontece com os

Almendres cuja área se limita ao parque de estacionamento, ao caminho

principal de acesso e ao recinto.

Seria, no entanto, uma possibilidade a ter em conta, caso se conseguisse que

o rebanho tivesse ao seu dispor mais parcelas externas à área actualmente

afecta ao monumento.

De notar que a opção por rebanhos autóctones tem por fundamento o facto

coerente das populações que ergueram estes monumentos terem tido a

pastorícia como principal base económica.

Interessaria se, ainda assim, com tantas limitações, fosse considerado o prado

como opção, preferir um elenco de espécies nativas com boa cobertura de

raizame fino, de composição diversificada, com um predomínio de gramíneas e

leguminosas rasteiras, por exemplo, usar algumas espécies de trevo, para não

ocultarem principalmente os monólitos mais baixos ou as gravuras. Para além disso, 

as espécies deveriam ser escolhidas de modo a serem o mais resistente possível 

ao pisoteio.

Estabelecida esta visão, a análise irá passar a debruçar-se sobre o entorno do

monumento, delineando possíveis futuros.